(A)Deus (gigante) Herberto Helder...
"O Ofuscante
Poder da Escrita"
O sentido da literatura, no meio dos
muitos que tenha ou não tenha, é que ela mantém, purificadas das ameaças da
confusão, as linhas de força que configuram a equação da consciência e do acto,
com suas tensões e fracturas, suas ambivalências e ambiguidades, suas rudes
trajectórias de choque e fuga. O autor é o criador de um símbolo heróico: a sua
própria vida.
Mas, quando cria esse símbolo, está a
elaborar um sistema sensível e sensibilizador, convicto e convincente, de
sinais e apelos destinados a colocar o símbolo à altura de uma presença ainda
mais viva que aquela matéria desordenada onde teve origem. O valor da escrita
reside no facto de, em si mesma, tecer-se ela como símbolo, urdir ela própria a
sua dignidade de símbolo. A escrita representa-se a si, e a sua razão está em
que dá razão às inspirações reais que evoca.
E produz uma tensão muito mais
fundamental do que a realidade. É nessa tensão real criada em escrita que a
realidade se faz. O ofuscante poder da escrita é que ela possui uma capacidade
de persuasão e violentação de que a coisa real se encontra subtraída.
O talento de saber tornar verdadeira a
verdade."
Herberto
Helder, in 'Photomaton & Vox'