"Um assombroso exercício em que a
linguagem mais brutal se alia ao lirismo mais iluminado: este livro será um
marco na literatura portuguesa.
São poucos os romances que
conseguem arrebatar o leitor, logo na primeira página, arrastando-o para uma
aventura dramática e alucinante, sem descanso nem refrigério. É o caso da mais
recente obra de Ana Margarida de Carvalho que retira o seu título doPoema do
Desamor, de Alexandre O’Neill (“Queixa-te coxa-te desnalga-te desalma-te/ Não
se pode morar nos olhos de um gato/ Beija embainha grunhe geme/ Não se pode
morar nos olhos de um gato”). É compreensível que seja O’Neill a funcionar como
pedra de toque desta narrativa em que o virtuosismo da linguagem, o ritmo das
palavras, a agilidade do discurso e as imagens surrealizantes se sucedem em
catadupa, numa torrente imparável e avassaladora.”
(H. Vasconcelos in Público)
“Em finais do século XIX, já
depois da abolição da escravatura, um tumbeiro clandestino naufraga ao largo do
Brasil. Um grupo de náufragos atinge uma praia intermitente, que desaparece na
maré cheia: um capataz, um escravo, um mísero criado, um padre, um estudante,
uma fidalga e sua filha, um menino pretinho ainda a dar os primeiros passos...
Todos são vencedores na morte, perdedores na vida. O mar, ao contrário dos seus
antecedentes quotidianos, dá-lhes agora uma segunda oportunidade, duas vezes
por noite, duas vezes por dia. Ao contrário do que pensam, não estão sós
naquele cárcere, com os penhascos enquanto sentinelas, cercados de infinitos,
entre o céu e o oceano. Trazem com eles todos os seus remorsos, todos os seus
fantasmas. E mais difícil do que fazerem-se ao mar ou escalarem precipícios
será ultrapassarem os preconceitos: os de raça, os de classe social, os de género,
os de credo. Para sobreviverem, terão de se transformar num monstro funcional
com muitos braços e muitas cabeças; serão tanto mais deuses de si próprios
quanto mais se tornarem humanos e conseguirem um estado de graça a que poucos
terão acesso: a capacidade de se colocarem na pele do outro.”
(in
wook.pt)